“Blue Eyed”
o que é o racismo e por que devemos combatê-lo
Renata Teixeira
O
dia 21 de março, ‘Dia internacional Contra a discriminação racial’, é uma data
bastante festejada pelas conquistas de grupos étnico/raciais vítimas de
preconceito, especialmente pela negra. Entretanto no Brasil, naquela mesma
semana fomos testemunhas mais uma vez de manifestações de racismo e
intolerância. Dois homens de Curitiba foram presos pela Polícia Federal sob a
acusação de utilizar a internet para pregar a intolerância, incentivando a
violência e o extermínio de diversos grupos, dentre eles mulheres e negros.
Nos
Estados Unidos práticas semelhantes deram origem ao documentário Blue Eyed.
Preocupada com os números de práticas racistas, a professora Jane Elliott reuniu em uma sala diversos
voluntários, uns de olhos castanhos, tratados por ela como superiores e de
forma cordial; e os de olhos azuis, inferiorizados e hostilizados. Através do
workshop Elliottprocurou fazer com que todos os voluntários sentissem na pele o
que o negro estadunidense costuma sofrer durante toda a vida: a sensação de ser
julgado e inferiorizado com base em uma característica física, neste caso a cor
dos olhos.
Embora nenhum dos participantes de considere racista, Elliott questiona:“Alguém aqui quer ser tratado da mesma forma que o negro é tratado nos Estados Unidos?” A negativa de todos Elliott deixa claro que todos ali conhecem a situação do negro naquele país. A professora alerta então para o fato de que ser racista não significa apenas cometer violência física ou verbal contra o negro, mas também presenciar situações como essa e não questionar, não denunciar. Com esse pensamento Elliott vai ao encontro da definição da Organização das Nações Unidas para ‘discriminação’.Segundo o órgão trata-se do “nome que se dá para a conduta (ação ou omissão) que viola direitos das pessoas com base em critérios injustificados e injustos tais como a raça, o sexo, a idade, a opção religiosa e outros”.
A experiência mostrada no documentário havia sido feita
anteriormente com crianças para as quais Elliott dava aulas, em Riceville, interior de Iowa, nos Estados
Unidos. A cidade é marcada pelo forte preconceito racial e a professora recebeu
diversas críticas de pais de alunos indignados por ela ter escolhido Martin
Luther King como herói do mês da sua turma do 3º
ano.
O
que a primeira vista pode parece algo distante da nossa realidade está na
verdade mais próximo do que imaginamos. Da mesma forma que o grupo de
voluntários do workshop de Elliott, quantos de nós já presenciaram alguma
prática racista, ainda que sutil, sem nada fazer? Segundo a ONU e a própria
professora Jane Elliot, ser conivente significa também cometer o delito, o que
no Brasil, no caso do racismo, é crime com pena prevista em Lei.
Creio
que a experiência de Elliott possa ser utilizada de forma pedagógica no nosso
país para coibir a violência motivada pelas diferenças. Essa simples
experiência através do método “ver com os olhos do outro” muitas vezes é mais
eficaz do que anos de campanha de conscientização, multa, prisão etc. Em suma:
o documentário é um excelente convite à reflexão.
Autora: Renata Afonso
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Estado e Sociedade e Políticas públicas
em Gênero e Raça: Quesito cor/raça
No Ministério do Trabalho as ações
integram o programa Combate à Discriminação no Trabalho. Tais ações visam a
promoção de igualdade de oportunidades, por meio da “disseminação, fortalecimento
institucional e articulação de políticas públicas que promovam a diversidade e
a eliminação de todas as formas de discriminação”.
Dentre elas,
destacam-se o Programa Brasil, Gênero e Raça, a Comissão Tripartite de Gênero e
Raça no Trabalho e o Fórum de Combate à Discriminação no Trabalho. Os indicadores utilizados para medir a
discriminação são: admissão (proporção de negros/as e mulheres), remuneração e
ascensão.
Embora a agenda das ações afirmativas esteja
enfrentando diversos aspectos relacionados à questão racial, a desigualdade
racial é considerado o seu efeito mais visível e/ou mensurável e vem sendo o
principal instrumento de mobilização.
Ao tratar da questão do sistema público de
informação sobre o quesito cor/raça,
é importante afirmar que apesar da
constatação da inexistência das raças e de que a diversidade intragrupos é
maior do que entre grupos diferentes, as diversas manifestações de racismo e discriminação em nossa sociedade persistem.
Assim, o
conceito de “raça” é aqui entendido como uma ferramenta analítica que
possibilitará ao cientista, ao pesquisador social e ao gestor de políticas
públicas, refletir e analisar situações de discriminação e desigualdade
baseadas em motivações raciais.
Essa posição é apoiada nos argumentos que Guimarães
(2002) utiliza quando, ao negar o conceito de raça biológica, enfatiza que nada
na espécie humana pode ser classificado cientificamente como “raça” e que
“(...) o que chamamos de “raça” tem existência nominal efetiva e eficaz apenas
no mundo social e, portanto, somente no mundo social pode ter realidade plena”.
As raças foram abolidas do discurso erudito e
popular no período de 1930 a
1970, quando vigorou o discurso do mito da democracia racial no Brasil.
Paradoxalmente, na prática, as queixas sobre discriminação associadas à cor,
bem como à taxa de desigualdades aumentaram. Essas vozes isoladas de denúncia
dessa realidade fortaleceram um discurso identitário que redundou na
reconstrução étnica e cultural no Brasil.
Sendo assim, o uso do termo raça é retomado, de forma
positivada, pela luta antirracista no Brasil. Mas,
dentre outras coisas, por meio de dois fatores preponderantes para a definição
de ocupação: os aspectos raça/cor e gênero do trabalhador, “responsáveis por
todas as consequências e responsabilidades pela
manutenção das desigualdades (...)”.
Nas últimas décadas, a informação do cor/raça
está no centro de instigantes debates
na sociedade brasileira devido às questões acerca da idéia de raça discutidas
anteriormente. A introdução do chamado “quesito
cor/raça” nos instrumentos de coleta de informação oficiais tem sido uma
das principais bandeiras do Movimento
Negro no Brasil, uma vez que se considera a única forma de mensurar o grau
de desigualdade racial existente no país, informação fundamental para o
direcionamento das políticas públicas.
O quesito cor/raça foi coletado no primeiro Censo Demográfico ocorrido no
Brasil em 1872. O referido censo, em relação à cor ou raça, coletava
informações sobre “brancos”, “pretos”, “pardos” e “caboclos”.
Naquela configuração histórica, o termo “pardo”
pretendia diferenciar os negros cativos, não importando se os mesmos fossem
pretos ou miscigenados, dos negros livres ou forros.
Já no primeiro Censo, em 1872, o negro liberto
era considerado “pardo”, identificando como “pretos” os que eram escravos.
Osório (2003) discutindo a construção das categorias
oficiais do país e sua adequação para estudos sobre desigualdades aponta
que houve pouca mudança nas categorias classificatórias utilizadas no primeiro
censo.
Tais denominações também são entendidas pelo
autor como uma das estratégias
utilizadas para contrabalançar práticas de discriminação. Dessa forma, a atribuição de cor a uma pessoa é feita de
maneira que depende do convívio e, normalmente, vem revestida de significados
no interior de um contexto histórico-cultural e social específicos.
Para alguns estudiosos, a multiplicidade de
termos que falam da cor na sociedade brasileira estaria apontando para a
importância e complexidade da questão da classificação
social a partir da condição racial. Nesse sentido, o debate em torno da
“classificação legítima” estará sempre aberto.
A
temática raça/cor esteve, por longos anos, ausente dos debates
acerca da saúde pública no Brasil. A coleta do quesito cor/raça tem sido uma
reivindicação do movimento negro.
O
“quesito cor/raça” ou a identificação racial é um item necessário e
indispensável nos serviços de saúde, não apenas por facilitar o
diagnóstico e prevenção de doenças atualmente consideradas étnicas, mas,
sobretudo, pela possibilidade de saber do que adoece e do que morre a população
negra no Brasil
Em meados de 1995, com a entrega do documento
reivindicatório “Por uma política
nacional de combate à desigualdade racial” ao então Presidente da
República, pela implementação de um Programa de ANEMIA FALCIFORME e no cenário
municipal, pela implementação do quesito cor/raça nos formulários de saúde, foi
possível iniciar as pesquisas sobre morbidade e mortalidade da população negra.
As maiores
dificuldades para a implementação do quesito cor/raça residiam na
dificuldade de entendimento do que é ser negro/a no Brasil e as diferenças
entre marca (aparência) e origem (local de origem ou ascendência), além da não
percepção da importância da coleta do quesito cor/raça pelos/as profissionais.
Para o movimento
negro, atualmente mais representado no âmbito das administrações
municipais, estaduais e federal, a reivindicação da introdução do quesito
cor/raça em instrumentos de informação e da sua utilização em estudos de saúde
pública se justifica como forma de
desvelar o mito da democracia racial que contribui para o ocultamento da
cor/raça dos indivíduos, impedindo o monitoramento da discriminação racial.