sábado, 23 de julho de 2011

Apresentação

As políticas públicas e o combate violência de gênero e perspectivas de segurança da mulher

‘Políticas Públicas’ podem ser entendidas como tudo que diga respeito à atuação do governo (municipal, estadual ou federal) quanto à leis, medidas reguladoras, decisões e ações. 
Ciclo das Políticas Públicas, por sua vez, engloba o processo que vai da definição de agenda, à elaboração da política pública e sua efetiva implantação e avaliação. Este último ponto, a avaliação, terá espaço maior em nossos textos. Isto acontecerá por um motivo simples: pode-se através dele perceber erros e acertos e, contrastando dados reais do Estado do Espírito Santo e do município de Alegre/ES, tecer análises sobre a efetividade da política atual. Dessa forma, caso haja descompasso entre o que se pretendia no momento da implantação e o que se alcançou por meio das políticas públicas, torna-se possível propor soluções.
Este Blog se apresenta, portanto, como mais uma manifestação da Sociedade civil em torno de interesses, propósitos e valores pertinentes às perspectivas de segurança da mulher e ao combate à violência de gênero. A intenção é apontar problemas a serem enfrentados por meio do controle social da execução das políticas.
Este espaço primariamente se presta à ser banco de dados e idéias para nossas pesquisas como alunos do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça oferecido pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Mas, para além dessa função, as informações que aqui ajuntarmos também serão de interesse à todos e todas que estejam envolvidos com essa causa, a saber, o combate à violência de gênero e as perspectivas de segurança da mulher.
Em última instância, o que fazemos aqui é lançar mão do princípio democrático de participação da sociedade nas instâncias de poder, tendo como fim último “construir uma sociedade livre, justa e solidária” para homens e mulheres. 

Os textos seguintes trarão O primeiro ciclo de postagens do Grupo 1 do Polo Alegre-ES
Tema: O Combate à Violência de Gênero e as Perspectivas de Segurança da Mulher
Subtema: Promoção de segurança e combate à violência racial



Fontes para essa postagem: Todos os conceitos presentes nesse texto foram extraídos do material fornecido pela professora Juçara Leite para uso durante o Módulo1 do Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça - GPPGR - da UFES/NEAAD, ocorrido no terceiro triênio de 2011.
Imagem acessada em http://www.mariadapenha.org.br/wp-content/uploads/2010/12/cordel.png às 13 horas e 19 minutos do dia 28 de julho de 2011.


Para começar, é bom se informar

Vivemos na "Sociedade da Informação" ou, pelo menos, é isso que dizem os sites, revistas, livros e palestrantes que sobrevivem do comércio da "informação". Justiça seja feita, um dos homens mais ricos do mundo, Marc Zuckeberg, criador do Facebook, ganhou toda sua fortuna recolhendo e comercializando informações. Note, porém, que informação, não necessariamente é sinônimo de conhecimento e a diferença entre os dois termos é de uma sutileza enganadora. O Novo Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, por exemplo, define informação como "Esclarecimento, fornecimento de dados, notas, argumentos (...)" *.  Para o verbete "Conhecer", por sua vez, o mesmo dicionário dá como sinônimo os verbos "Saber" e "Entender".
Nós seres humanos, mulheres ou não, sabemos e entendemos muita coisa. Sabemos quando somos injustiçados, quando sofremos violência física, moral ou psicológica. Mas para que nos levantemos contra essas coisas necessitamos argumentos. Ou seja, informação. 
Com a finalidade de montar um banco de "dados, notas, argumentos", estimulando assim a pesquisa e a ação mais direta - a denúncia propriamente dita - contra a violência de gênero, é que listamos os sites, blogs, artigos, livros e filmes à seguir.


Documentos disponíveis na rede
IV Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2011 - 2013)


Sites
Site do órgão do Governo Federal responsável por promover políticas públicas para as Mulheres. 
Secretaria de Promoção da Igualdade Racial 
Site do órgão do Governo Federal responsável  por promover políticas públicas de Igualdade Racial
Se quiser saber mais sobre a Lei Maria da Penha esse site é o lugar certo.


Blogs
Maísa Leal Blog 
Numa postagem, Maísa Leal faz um apanhado interessante sobre o assunto "violência doméstica".

Artigos Científicos
SANTOS, Cecília MacDowell. IZUMINO, Wânia Pasinato. Violência Contra as Mulheres e Violência de Gênero. E.I.A.L. Estudios Interdisciplinarios de América Latina y El Caribe,
da Universidade de Tel Aviv, em 2005.


Livros
MONTERO, Rosa. A Louca da Casa. São Paulo: Ediouro, 2008.
Este livro da jornalista espanhola Rosa Montero traz 14 pequenas biografias de mulheres a frente de seu tempo, que apesar das diversas formas de violências sofridas no decorrer de suas vidas, destacaram-se a ponto de entrarem para a história e contribuírem para os avanços sociais em relação ao sexismo.


Nas demais páginas desse blog, os leitores poderão encontrar indicações de outras fontes de pesquisa. Portanto, atentem para os links abaixo do cabeçalho, intitulados: "Bando de dados - Textos", "Banco de dados - Imagens", "Banco de dados - Filmes" e "Conceitos". 





O que o Estado tem feito?

É fácil perceber que atualmente o carro chefe da política pública para o combate da violência de Gênero tem sido a Lei Maria da Penha e as Delegacias da Mulher.  O site História da Lei Maria da Penha trás textos interessantes sobre esse dispositivo legal. Transcrevemos um trecho do histórico encontrado por lá:


"A Lei Maria da Penha, trouxe importante alteração no tratamento dado anteriormente pelo Poder Judiciário aos agressores de mulheres no âmbito familiar.  Hodiernamente, concede-se medidas de assistência e proteção às mulheres e seus familiares, proibindo, por exemplo,  a aplicação de penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas), além de  possibilitar à vítima que o Juiz conceda medidas protetivas de urgência, que objetivam acelerar a solução do problema da mulher agredida.
Estas medidas podem ser requeridas e concedidas em caso de situação de risco ou na ocorrência da prática da violência propriamente dita, o que é realizado através da intervenção da autoridade policial.
Devem ser analisadas no prazo de 96 horas após o registro da agressão na Delegacia de Polícia. Podem ser requeridas pela mulher ou concedidas pelo Juiz quando verificada a urgência do caso. Consistem, por exemplo, no afastamento imediato do lar do agressor.
As medidas criadas através da Lei nº 11.340/2006 para proteção imediata às mulheres atuam na esfera do direito cível, com abrangência no âmbito do direito de família, administrativo e penal. O cumprimento destas medidas, após a concessão judicial, é de responsabilidade da justiça, devendo ser cumprida pelos seus agentes.
Todas essas medidas visam proteger a mulher que denuncia a violência e busca impedir que se repita, não apenas com ela própria, mas contra as milhares de mulheres que são diariamente agredidas ".

A Lei nº 11.340/2006 foi resultado de um Movimento Social?

O que são Movimentos sociais
Segundo informações contidas em material fornecido pelo Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça promovido pela UFES/EAD em parceria com o MEC, até a década de 50, os movimentos sociais eram vistos como fontes de conflitos e tensões. A concepção clássica, portanto, entende que os movimentos sociais são marcados pela violência e pelo controle. 
Existe, porém, uma nova orientação teórica na qual Alberto Melucci figura como um dos autores que a organizam. Para essa vertente, nas últimas décadas, fatores como complexos sistemas organizacionais, processos e instituições formadoras de símbolos, passaram a ganhar destaque. De forma que os movimentos sociais devem considerar com urgência questões voltadas à defesa das reivindicações em torno das identidades

Como surgiu a Lei Marida da Penha e porque este nome?

Transcreve-se a seguir trecho do texto presente no site dedicado à popularização da Lei Maria da Penha:

"A Lei que protege as mulheres contra a violência recebeu o nome de Maria da Penha em homenagem à farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes. Com muita dedicação e senso de justiça, ela mostrou para a sociedade a importância de se proteger a mulher da violência sofrida no ambiente mais inesperado, seu próprio lar, e advinda do alvo menos previsto, seu companheiro, marido ou namorado.
Em 1983, Maria da Penha recebeu um tiro de seu marido, Marco Antônio Heredia Viveiros, professor universitário, enquanto dormia. Como seqüela, perdeu os movimentos das pernas e se viu presa em uma cadeira de rodas. Seu marido tentou acobertar o crime, afirmando que o disparo havia sido cometido por um ladrão. 
Após um longo período no hospital, a farmacêutica retornou para casa, onde mais sofrimento lhe aguardava.  Seu marido a manteve presa dentro de casa, iniciando-se uma série de agressões. Por fim, uma nova tentativa de assassinato, desta vez por eletrocução que a levou a buscar ajuda da família. Com uma autorização judicial, conseguiu deixar a casa em companhia das três filhas. Maria da Penha ficou paraplégica. 

No ano seguinte, em 1984, Maria da Penha iniciou uma longa jornada em busca de justiça e segurança. Sete anos depois, seu marido foi a júri, sendo condenado a 15 anos de prisão. A defesa apelou da sentença e, no ano seguinte, a condenação foi anulada. Um novo julgamento foi realizado em 1996 e uma condenação de 10 anos foi-lhe aplicada. Porém,  o marido de Maria da Penha apenas ficou preso por dois anos, em regime fechado.
Em razão deste fato, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima Maria da Penha, formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), Órgão Internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação de acordos internacionais. 

Paralelamente, iniciou-se um longo processo de discussão através de proposta elaborada por um Consórcio de ONGs (ADVOCACY, AGENDE, CEPIA, CFEMEA, CLADEM/IPÊ e THEMIS). Assim, a repercussão do caso foi elevada a nível internacional. Após reformulação efetuada por meio de um grupo de trabalho interministerial, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, do Governo Federal, a proposta foi encaminhada para o Congresso Nacional.

Transformada a proposta em Projeto de Lei, realizaram-se durante o ano de 2005 , inúmeras audiências públicas em Assembléias Legislativas das cinco Regiões do País, contando com a intensa participação de entidades da sociedade civil.
O resultando foi a confecção de um “substitutivo” acordado entre a relatoria do projeto, o Consórcio das ONGs e o Executivo Federal, que resultou na sua aprovação no Congresso Nacional, por unanimidade.
Assim, a Lei nº 11.340 foi sancionada pelo Presidente da República em 07 de agosto de 2006". 





A lei maria da penha é, portanto, uma política pública levada à termo por um movimento social que, simbolizado por um caso em especial, a violência sofrida pela farmacêutica cearense Maria da Penha, consegue avançar rumo à defesa da segurança de mulheres vítimas de violência doméstica. 




Fontes para essa postagem
Imagem e trechos transcritos foram acessados em http://www.mariadapenha.org.br/a-lei/a-historia-da-maria-da-penha/ às 11 horas e 53 minutos do dia 27 de julho de 2011.
Os conceitos em negrito foram extraídos do material fornecido pela professora Juçara Leite para uso durante o Módulo1 do Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça - GPPGR - da UFES/NEAAD, ocorrido no terceiro triênio de 2011.


A violência de gênero e raça com resultado morte no Estado do Espírito Santo em 2011

RELAÇÃO DAS VÍTIMAS DE CRIMES CONTRA A VIDA COM RESULTADO MORTE (HOMICÍDIO) NO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2011, até 30/06/2011.
Ocorreram 82 Homicídios;
Em 25 diferentes Municípios do Estado.

 Divisão por Cutis / Raça
57 (Eram Parda/ Mulato);
9 ( Eram Brancas);
8  ( Eram Negras);
8 ( Não tiveram a cor identificada na ocorrência).
Forma que as mulheres foram mortas
 (48) Mortas por Arma de Fogo;
(18) Mortas por Arma Branca;
(16) Mortas por Uso de Outros Objetos e Formas.

Divisão por Idade das Vitimas
23 tinham entre 0 a 20 anos;
20 tinham entre 21 a 30 anos;
12 tinham entre 31 a 40 anos;
8  tinham entre 41 a 50 anos;
5 tinham entre 51 a 60 anos;
1 tinha entre 61 a 70 anos;
1 tinha entre 71 a 80 anos;
12 não tiveram a idade identificada.

 Violência conta Mulher por Divisão Regional do Espírito Santo
 (54) Região Metropolitana;
(11) Região Noroeste;
(9) Região Norte;
( 8 ) Região Sul.





Fontes para essa postagem:
Os dados foram colhidos na GEAC (Gerência de Estatística e Análise Criminal / SESP), através do endereço eletrônico  http://www.sesp.es.gov.br/sitesesp/index.jsp consultado às 17h e 50min do dia 22/07/11.   
Autora: Rosa Elaine Evaristo.  

Se sofro violência de gênero ou doméstica, o que posso fazer?


Os fatores listados a seguir são muitas vezes identificados como motivadores da passividade feminina frente ao problema da violência:


1. medo do agressor
2. dependência financeira em relação ao agressor
3. dependência afetiva em relação ao agressor
4. não conhecer os seus direitos
5. não ter onde denunciar
6. percepção de que nada acontece com o agressor quando denunciado
7. falta de autoestima
8. preocupação com a criação dos filhos
9. sensação de que é dever da mulher preservar o casamento e a família
10. vergonha de se separar e de admitir que é agredida
11. acreditar que seria a última vez
12. ser aconselhada pela família a não denunciar
13. ser aconselhada pelo delegado a não denunciar
 

14. não poder mais retirar a “queixa”*. 


Para fazer à denúncia, a mulher vítima de violência têm os seguintes meios:

LIGUE 180 – CENTRAL DE ATENDIMENTO À MULHER 
A Central de Atendimento à Mulher é um serviço do governo federal, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que auxilia e orienta as mulheres vítimas de violência através do número de utilidade pública 180. As ligações podem ser feitas gratuitamente de qualquer parte do território nacional.

LIGUE 190 – POLÍCIA MILITAR 
O atendimento consistirá no envio de uma guarnição de serviço para poder atender a ocorrência policial. No Espírito Santo as Delegacias e Postos de Atendimento Especializados da Mulher integram a estrutura da Polícia Civil. Contudo, caso não haja delegacia especializada na região da ocorrência, o atendimento será realizado pelos postos de atendimento.




Em todo o Estado do Espírito Santo, existem 8 Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher e 1 posto de Atendimento, além dos DPJ das cidades. Neste Estado, o descumprimento a LEI nº 11.340 de 07 de agosto de 2006 ainda é uma realidade. A efetividade das políticas públicas de proteção integral à mulher, infelizmente, está muito aquém do que prevê a legislação. Na maioria das vezes quando a polícia atende uma ocorrência com mulher vítima de violência doméstica não tem para onde encaminhá-la.  





Fontes para essa postagem:

Que resultados a lei tem alcançado em Alegre?


Embora seja fato que após a publicação da lei 11.343/06, a mulher esteja mais protegida legalmente, na prática há muitas complicações a efetivação desse dispositivo. A maior parte das mulheres agredidas não confiam nas pessoas que estão à frente do aparato do Estado. Estes seriam justamente os entes responsáveis por fazer cumprir a lei e, consequentemente, protegê-las.
O que se vê na maioria dos Municípios do Estado do Espírito Santo é que não há estrutura voltada para a execução da Lei nos atendimentos de mulheres vítimas de violência.
No Município de Alegre, por exemplo, são registradas na Delegacia de Polícia Civil, em média, mensalmente, 04 (quatro) ocorrências policias relativas a casos de violência contra a mulher. E a Polícia Militar, por sua vez, responsável pelo atendimento das chamadas do telefone 190, não possui dados estatísticos sobre o assunto uma vez que os chamados são codificados como “Outras ocorrências” ou “Encerradas no local”.
Além disso, o único serviço de amparo oferecido pela Prefeitura Municipal é executado pelo CREAS – Centro de Referência Especializada de Assistência Social, que conta com acompanhamento psicossocial e orientação para mulheres, idosos, crianças, adolescentes e deficientes. Nesta entidade, de outubro até a presente data, só foram acompanhados cinco casos de violência, em nenhum deles, contudo, houve continuidade nesse acompanhamento. Motivo? As mulheres atendidas não mais retornaram.    



A violência de gênero é também uma questão de cor?



No Espírito Santo, os dados numéricos sobre crimes contra a vida de mulheres com resultado de morte no primeiro semestre de 2011 até 30 de junho de 2011 convida-nos a uma análise em relação à composição racial do grupo em questãoAo todo foram 82 homicídios, em 25 diferentes municípios do Estado. Quando discriminamos esses crimes pela cor da pele (raça) das vítimas, temos a seguinte proporção: 69,5% foram identificadas como pardas ou mulatas, ao passo que ainda 9,75 % eram negras.  O gráfico a seguir demonstra como as estatísticas diferem se compararmos o número de afrodescendentes aos de outros grupos raciais.



A consideração desse tema em termos objetivos apóia a ideia de que, na verdade, existem dois   Brasís.  Se somarmos as vítimas negras às pardas e mulatas teremos que 79,25% são afrodescendentes enquanto 20,70% são, por generalização, brancas.
A Constituição Federal de nosso país, em seu art.5° caput, consagra o princípio da isonomia com o seguinte texto: 
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade"*. 
A Lei Maria da Penha faz distinção entre os sexos por se aplicar exclusivamente à crimes contra o sexo feminino, embora um juiz do Estado do Rio Grande do Sul já a tenha aplicado a um homem que numa relação estável homossexual alegava ser ameaçado pelo companheiro (para saber mais, acesse o site fonte dessa informação clicando aqui). Seria esse, portanto, um caso de desrespeito ao princípio constitucional da isonomia? A resposta é não e a negativa pode ser muito bem explicada.
Muitos são os que defendem a manutenção de políticas universalistas. Principalmente quando se trata de questões raciais, estes defensores se apoiam no ideário da igualdade e argumentam que ações afirmativas são inconstitucionais por desrespeitarem o princípio da isonomia. O que os dados apresentados demonstram, no entanto, é que a generalização presente neste tipo de política pública perpetua desigualdades e até mesmo cria novas injustiças . Políticas de ação afirmativa, por outro lado, possibilitam o combate objetivo às desigualdades e mesmo à prevenção aos processos de exclusão
Não faz sentido, portanto, argumentar que políticas de ações afirmativas aumentem preconceitos e sejam inconstitucionais, uma vez que a própria constituição define que os desiguais devem ser tratados de forma desigual para que ocorra a igualdade.
Se a mulher é a parte mais frágil à violência dentro de uma relação, a Lei Maria da Penha corrige essa desigualdade. E se a violência de gênero tem atingido principalmente mulheres afrodescendentes, fechar os olhos para esse fato será contribuir para que nada mude em relação às injustiças presentes na sociedade em que vivemos ou mesmo para que a situação piore ainda mais. 
O que procuramos, portanto, são políticas públicas que abordem a questão da violência de gênero através de uma visão não daltônica. Ou seja, propostas de ações afirmativas que venham a minimizar o mal da violência de gênero observando com prioridade onde ele ocorre mais agudamente, entre mulheres afrodescendentes. 






Violência de Gênero ou violência racial?


Diferença não é sinônimo de inferioridade

 Preconceitos raciais são ideologias construídas historicamente e podem, portanto, ser alterados. O respeito à diferença é uma das implicações da justiça social. No entanto, o simples crescimento econômico não destrói os preconceitos por si só. Antes, a justiça social deve conter tanto de redistribuição – material – quanto de reconhecimento – cultural.

No Brasil, mulheres negras ocupam o último grau da estratificação social. Isto acontece ainda como resultado de séculos de dominação econômica e conseqüente dominação cultural de uma elite branca. E mesmo diante do crescimento econômico que o país vem apresentando nos últimos anos, as desigualdades e injustiças sociais permanecem notadamente presentes em nossa sociedade. É, portanto, imprescindível que as políticas públicas foquem na desconstrução das injustiças provenientes do passado para, então, aos poucos, promover a igualdade e respeito à diversidade. 

O Ideário da Igualdade e a Democracia Racial

Democracia Racial pode ser entendida como um modelo explicativo da Formação do Brasil e das relações entre as Três Raças – negra, branca e indígena, entendidas como formadoras do Brasil. Mito que naturaliza as desigualdades ao considerar que à cada uma dessas matrizes cabe um papel na sociedade. 

Em 1930, Gilberto Freyre publicou o livro Casa Grande e Senzala, clássico que propagou para o mundo a idéia de Brasil como um país miscigenado. À época, o autor se contrapunha à teoria racista da degenerescência, ou seja, de que a mistura das três matrizes – negra, branca e indígena – gerasse uma raça mestiça inferior. Ele defendia que, da mistura entre negros, brancos e índios, à miscigenação procederia um povo forte, portador das melhores características das três raças. Dessa idéia foi que se constituiu o mito da Democracia Racial e com ela o ideário da igualdade.
O brasilianista Michael Hanchard entende que no pensamento freyriano a escassez de mulheres brancas obrigava à criação de “zonas de confraternização” que diminuíam a distância social entre casa grande e senzala. Com o abrandamento das tensões, ocorrido com o tempo, haveria a formação de um povo bem adaptado às diferenças, todos os diferentes seriam encarados como “iguais”. As injustiças sociais estariam, dessa forma, ligadas apenas à questões materiais.
Em 1950, a UNESCO realizou uma série de pesquisas no Brasil, com a finalidade de estudar a suposta bem sucedida experiência brasileira no assunto: relações raciais. No entanto, tais pesquisas trouxeram à tona evidências de um conflito velado entre brancos e negros, ficando claro que a Democracia Racial não passava de um mito. 
Para Carlos Hasenbalg, o principal efeito do mito da Democracia Racial é manter as questões sobre diferenças inter-raciais fora da agenda política, o que cria limites à busca da igualdade. Neste sentido, o mito da democracia racial faz com que uns sejam considerados mais iguais que os outros e que o racismo e o sexismo não sejam encarados como problemas, à medida que tanto as raças como os sexos ocupem os lugares que lhe são “naturais” na sociedade. Essa “naturalidade” faz com que muitos não “vejam” o racismo e o sexismo que outros vivenciam.
O contemporâneo de Freyre, Caio Prado Jr., analisa o sentido da colonização portuguesa com uma visão econômica (marxista) dando primazia à estrutura: latifúndio, monocultura e trabalho escravo. Para ele, as relações sexuais entre senhores e escravas desencadeavam processos de interação social. Num dado momento, homens brancos e negros disputavam mulheres negras, ao passo que mulheres negras e brancas disputavam os mesmos homens. 
No início dos anos 1980, a intelectual negra Lélia Gonzalez criticou a redução do protagonismo da mulher negra à função de objeto sexual presente no pensamento de Prado Júnior.  
O pequeno caminho que fizemos até este ponto determinado do texto serve-nos para entender melhor a questão que mais interessa ao tema desse blog: o papel social ocupado pela mulher negra nos dias atuais

Devido à desestruturação do modelo de família tradicional – acontecido pela peculiaridade da situação da mulher negra que sustenta a própria família materialmente enquanto cria e alimenta os filhos de famílias negras -, núcleos familiares do Brasil, Caribe e Estrados Unidos vivenciam a realidade da matrifocalidade. Apesar desse aspecto, até a década de 1970, a mulher só era considerada chefe de família no Brasil se fosse viúva ou separada, mesmo se exercesse o papel de provedora do lar. 


Políticas Universalistas X Ações Afirmativas 
Para o combate à violência de gênero e à violência racial


Políticas universalistas se apoiam no ideário da igualdade, porém, essa igualdade não se efetiva. Os balanços revelam que esses tipos de políticas perpetuam desigualdades apesar de melhorarem alguns índices generalizantes. As estatísticas demonstram a existência de um Brasil branco e um Brasil negro/afrodescendente e, quando a diversidade do público alvo não é explicitada, as políticas públicas podem passar a reproduzir antigas desigualdades e, pior, até mesmo criar outras. 
O gestor tem nas mãos o papel político de favorecer a superação das desigualdades e promover a inclusão bem como a justiça social, tornando as políticas públicas, de fato, universais.  Se mulheres negras são alvos mais vulneráveis da violência doméstica, quanto dessa violência doméstica também não seria racial? De fato, conforme verificado nos tópicos acima, a mulher negra/afrodescendente vem exercendo um papel melindroso em nossa sociedade, desde os tempos da escravidão. E porque não se pensar, portanto, em ações afirmativas que principalmente estejam ligadas à prevenção da violência doméstica?
É com essa mentalidade que os próximos ciclos de postagens desse blog seguirão na abordagem do tema. 






Fontes para essa postagem
Primeira imagem: óleo sobre tela de Denise Rodrigues Barbosa, artista plástica natural de Santos/SP, Brasil. Ela mantém o blog chamado Bolhas Canção, onde publica poemas e desenhos.
Segunda imagem: foto acessada em http://broncafirme.blogspot.com/2010/09/mulheres-negras-trabalham-sem-carteira.html às 15 horas e 4 minutos do dia 26 de julho de 2011.
Para entender um pouco mais sobre o "Princípio Constitucional da Isonomia" recomenda-se clicar aqui.
* acessado em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm, às 13 horas e 57 minutos do dia 26 de julho de 2011.
Todos os conceitos presentes nesse texto foram extraídos do material fornecido pela professora Juçara Leite para uso durante o Módulo1 do Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça - GPPGR - da UFES/NEAAD, ocorrido no terceiro triênio de 2011.